domingo, 14 de março de 2010

Liberdade, da Expressão à Opressão

Liberdade e Expressão... Serão estas duas palavras passíveis de união? Até que ponto nos é possível fazer a ponte entre aquilo que é a Liberdade, a alma matter de qualquer sociedade civilizada, e o direito à Liberdade de Expressão? Até que ponto não poderá ser esta última ser transformada na derradeira arma da infame opressão?
Nos tempos que correm muito se escreve e diz acerca da liberdade de expressão, da sua condição de primus inter pares no grupo das liberdades e garantias fundamentais, da sua condição de pilar, de sustentáculo fundamental da nossa fugaz existência democrática. Por outro lado são também cada vez mais aqueles os que se insurgem contra os abusos impunemente cometidos pela comunicação social, que tantas, mas tantas vezes não hesita em descurar a veracidade das fontes, mas antes busca somente o palco mediático de uma "notícia" aparentemente pungente, que tantas e tantas vezes confunde como sinónimo de interesse público, o interesse daqueles que na verdade somente anseiam por um pouco de púlpito. Há assim um cada vez maior número de cidadãos anónimos, e não só, que clamam por um condicionamento da liberdade de expressão, que face às sucessivas "fugas" do segredo de justiça, exigem uma efectiva regulação da liberdade de comunicação.
Tendo em conta estes dois parâmetros, como deve ser então entendida da liberdade expressão? Para melhor analisar este tema, há que indubitavelmente associa-la à sua irmã gémea. Falo pois da liberdade de pensamento, a única capaz de resistir até à ditadura mais férrea.
Em boa verdade, do ponto de vista filosófico, nada mais se assemelha tanto ao ideal de liberdade quanto o pensamento humano, pois, ultrapassando-o, não conhece este os limites que se impõem exclusivamente ao mundo mundano. Enquanto conceito fundamental do iluminismo, a liberdade não poderá nunca ser entendida a não ser como o direito a levar a cabo escolhas previamente condicionadas, a não ser como a faculdade de proceder de acordo com um quadro de disposições normativas e culturais previamente elaboradas. Assim, a ideia de uma liberdade total, inquestionável, nunca passou então, de acordo com esta formulação, de uma utopia fabulada, de uma mera conceptualização impraticável.
Já o pensamento não conhece limites, a não ser os da imaginação. Aí jaz toda a fantasia do universo, toda a sua alegria, toda a sua tristeza, tudo aquilo capaz de ser materializado apesar de ao início "existir apenas o verso". Impossível de ser agrilhoado, ele consegue até, por vezes, fugir ao seu próprio mestre, naquilo que alguns chamam loucura, e outros a doce mas suprema tortura. Na história da humanidade o pensamento é o seu inicio e fim, pois é nele que irremediavelmente resiste aquilo que nos torna distintos, aquilo que nos confere o espírito e a coragem para vencer, para vencer as barreiras de hoje e começar a erigir os planos do mundo de amanhã.
Aliando estas duas realidades, liberdade e pensamento, depressa vemos que ambas não se coadunam com a essência da outra, pois se o pensamento não conhece obstáculos, já a liberdade, do jeito que a entendemos, necessita dos mesmos para vingar. De facto, a liberdade nada é a não ser a segurança que cada um de nós tem ao saber que existem um determinado grupo de regras, de normas jurídicas ou culturais, que vão enformar o comportamento dos nossos pares na sociedade, que vão orientar e guiar o seu comportamento. A liberdade apoia-se, então, sob os princípios do seu próprio contrário. Desta dialéctica muito ao jeito oitocentista nasce aquilo que são os nossos conceitos de liberdades fundamentais, tais como a liberdade de expressão, a liberdade de associação, de participação política, de propriedade, conceitos que longe de perfeitos, não nos deixam de ser essenciais.
Assim o é, de facto, a liberdade de expressão. É-o porque nos permite transportar para o verso, aquilo que anteriormente apenas estava remetido ao exercício do intelecto. É-o porque nos dá a capacidade mágica de pegar naquela que era uma parcela insondável e profundamente íntima do eu e transforma-la numa pedaço de cada um de nós, de através de uma história, de uma noticia, etc., dar-mos a conhecer ao mundo aquilo que nos rodeia, que com que sonhamos, etc. É-o porque, neste mundo tão amplamente globalizado, nos é verdadeiramente estarmos devidamente informados acerca daquilo que se passa nesta nossa aldeia. É-o porque é pelo seu intermédio, da comunicação, que temos a possibilidade de denunciar aquilo que está mal, aquilo que é injusto, e, ao mesmo tempo, lutar por aquilo em que acreditamos, pelos nossos sonhos e convicções, pois é certo que o futuro se constrói assim, ao ritmo das imaginações.
Mas se o é, essencial, por todos estes motivos e muitos mais, é também fundamental que não se perca de vista aquele que é o nosso porto de abrigo, aquelas que devem ser as limitações ao próprio conceito de liberdade de expressão. Pois se tal o fizermos, se perdermos de vista este nosso refúgio conceptual, facilmente nos perderemos na imensidade do oceano das tentações, e muito mais rapidamente do que julgaremos possível, começaremos a utilizar a comunicação como a mais vil arma ao serviço da opressão.
São, então, necessários limites explícitos ao exercício da liberdade de expressão, limites que impeçam de forma efectiva os crimes de fuga ao segredo de justiça, se não de parte de quem os comete, pelo menos de quem os veicula, que impeça que atentados contra o bom nome e a honra das pessoas sejam cometidos ao abrigo da liberdade de expressão ou da confidencialidade das fontes, etc. Sem este tipo de limites, que em Portugal parecem apenas existir no papel, a liberdade de expressão não é liberdade, é tão somente opressão, a opressão cometida pelo intermédio da comunicação.

Portugal precisa então de uma forte e independente Entidade Reguladora dos Meios de Comunicação Social, de uma entidade que não se auto regule, pois daí nunca vêm bons resultados, mas antes de uma entidade capaz de eficazmente regular e fiscalizar as empresas de comunicação social, que seja acompanhada de um sistema jurídico capaz de os punir em tempo útil e com, pelo menos, alguma determinação.


(falarei mais tarde sobre a lei da rolha)