quinta-feira, 22 de abril de 2010

"O mercado de trabalho"

"O mercado de Trabalho"! Nos dias que correm utiliza-se esta expressão para representar aquele conjunto nebuloso onde coexistem simultaneamente patrões e trabalhadores, empresas e consumidores, mas de onde se parece querer retirar todo e qualquer papel àquele que é, por ventura, o seu actor principal, pois que sentido faz o mercado de trabalho sem a distinção fundamental que no seio do próprio opera o sujeito Regulador. Falo do Estado!
Assim, numa altura em que o PSD principia os ensaios de um discurso mais liberal (ao estilo neo-liberal norte americano), e a falar em flexibilizar ainda mais o cada vez mais precário mercado laboral, esta é então a altura ideal para reflectir seriamente sobre o tipo de sociedade em que desejamos viver, mas, acima de tudo, sobre o tipo de sociedade em que desejamos conviver.
Há que optar então por duas alternativas que ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX se foram alternando como paradigma ideológico de poder.
Temos assim por um lado a visão social-democrata que vingou ao longo de quase todo o século XX, e onde a existência humana se concebe incisivamente no seio sociedade justa e igualitária, onde as pessoas trabalham para poderem viver com qualidade de vida e tempo para fazerem aquilo que mais as realiza, onde os interesses empresariais não se sobrepõem aos interesses dos trabalhadores nem vice-versa, mas onde o equilíbrio social é encontrado em sede da concertação social e das negociações tripartidas e o equilíbrio económico se encontra sujeito aos postulados fundacionais do modelo keynesiano e do óptimo de Pareto;
Do outro lado do nosso espectro de opções temos então uma visão mais liberal (do ponto de vista económico), a qual vingou sobretudo no decurso dos séculos XVIII e XIX sobre a batuta das Teorias da Economia Clássica de Adam Smith ou, como são mais conhecidas, sobre as teorias do Laissez Faire e da Mão Invisível. Sem me alongar muito sobre este tema, até porque a sua complexidade não o permite, este é um modelo em que o Estado se queria, tal como a própria expressão o indicia, Invisível, sem qualquer tipo de intervenção económica na sociedade a não ser a da execução orçamental e a gestão de assuntos puramente administrativos. É então uma visão que defende que os mercados entregues a si próprios encontram sozinhos sempre a melhor solução para qualquer problema económico, pois ao agirem de acordo com as leis do mercado estes irão sempre agir com a máxima eficácia, eliminando assim os desperdícios inerentes à acção económica do Estado e optimizando a satisfação dos consumidores. Todavia, aquilo que se verificou foi que, ao invés do reiterado pelos arautos desta escola, os mercados entregues a si próprios facilmente se corrompiam de modo a beneficiar os accionistas das grandes empresas e a prejudicar os consumidores, aqueles que no fim de contas somos todos nós, os trabalhadores. Esta é então uma visão económica e social marcada essencialmente pela precariedade do trabalho, pelos horários de sol a sol, pela insegurança e insatisfação profissionais, pelas tristezas colectivas e depressões individuais. Uma visão onde as pessoas vivem exclusivamente para trabalhar e apenas se identificam de acordo com isso!
Do ponto de vista pessoal, e não sendo Marxista no essencial, dentro da matriz social-democrata é a primeira hipótese aquela que perfilho, aquela em que acredito!
Isto porque a uma lógica de aumentos da produtividade por via da coacção psicológica e da ameaça do desemprego, deve-se antes optar por uma lógica de aumentos da produtividade por via do fomento da "felicidade" e da harmonia dos locais de trabalho, que a par de uma sistemática implementação de contratos por objectivos contribuam para uma maior segurança do vinculo contratual e, ao mesmo tempo, para uma maior motivação e empenho dos trabalhadores. Isto porque ao invés de salários modestos com isenção de horário, se deveria optar por uma modelo de sociedade que apenas permitisse horários modestas com melhores salários. Isto porque ao invés de vivermos em torno da força gravítica de um trabalho, a qual acabará sempre por nos esmagar e tornar mais pequenos e pesados, deveríamos viver impulsionados pela sua força centrípeta, o que é o mesmo que dizer que o homem não devia existir apenas para trabalhar, mas antes o que trabalho deveria somente existir na medida em que se torna necessário para catapultar o homem para o gozo pleno de todos os seus restantes papéis sociais: o de filho, neto, amigo, colega, pai, esposo, etc.
Isto porque ao invés de uma sociedade esmagada sob o peso da conjuntura especulativa se deve optar por uma sociedade que reprima essas mesmas especulações de forma efectiva e promova um equilíbrio sustentável e justo entre o capital e o trabalho.
É, portanto, um escândalo aquilo que se passa no mercado de trabalho actualmente, em que aos trabalhadores lhes é exigido o máximo, sem a devida contrapartida salarial. Sem que ao mínimo de 12 horas de trabalho diárias exigidas para não se ser despedido pela maioria das entidades patronais, esteja assegurado o devido pagamento das horas extraordinárias. É um escândalo que maior parte dos jovens portugueses que querem entrar para este "Mercado de Trabalho" tenham que o fazer através da assinatura de contratos de trabalho temporários com a duração de um mês ou até, imagine-se, de uma semana, os quais são depois sucessivamente renovados até à data traumática do limite imposto por lei para a passagem a efectivos. Aí cai a guilhotina sempre sob os mais fracos, sob os trabalhadores, dado que este mercado de trabalho apenas favorece uma das parte em questão, aquele cuja figura de proa é o patrão.
Nada contra os patrões, pois que toda a sociedade carece em muita medida de ainda mais espírito empreendedor, mas também nada contra os trabalhadores, pois que não devem, e não podem ser tratados como meras mercadorias, como apenas mais um dos famosos três factores de produção.
De acordo com tudo isto, o Estado não deve, então, sair dos negócios como diz Passos Coelho, mas antes deve intervir cada vez mais nos mesmos, exercendo com seriedade e efectividade o seu papel de regulador, papel que apenas o Estado, único detentor do jus imperium, pode desempenhar.. O Estado deve então regular e não se abstrair do que se passa à sua volta; deve combater a criação de monopólios privados e fiscalizar o funcionamento do mercado; deve assegurar o provimento dos bens públicos essenciais (tais como os serviços de saúde, a educação, a justiça, a defesa, o saneamento, etc.); deve penalizar as empresas que não contribuam para um crescimento sustentável da economia; deve agir de acordo com os interesses da sua população e não de acordo com o interesse dos grandes grupos empresariais; mas acima de tudo deve proceder de modo a que a sociedade perante a qual responde (e que somos todos nós) possua cada vez uma melhor qualidade de vida (e não necessariamente mais PIB per capita) e não o inverso.
Não se pode então consentir como aceitáveis as pretensões do novo Presidente do PSD, o qual, de acordo com uma qualquer matriz ideológica ainda não muito bem definida, anunciou como prioritárias a alteração da constituição da república e a morte dos sistemas de saúde e de educação universais e tendencialmente gratuitos, para em seguida os entregar à gestão dos privados...
Retomando do ponto de vista económico, e uma vez que o tempo da escravatura já acabou, há agora que cimentar os direitos civilizacionais que foram conquistados ao longo de todo o século XX através do sangue, suor e lágrimas de muitos milhares de trabalhadores e patrões (pois muito boa parte do pensamento social-democrata proveio de alguns destes últimos). e tomar providências para que os erros do passado não se voltem a repetir.
Assim, proponho que o Estado deveria estipular em 7 o número de horas máximas de trabalho permitido por dia para cada trabalhador (abolindo a figura jurídica do contrato de trabalho com isenção de horário). Porque todos nós além de trabalhadores somos também filhos, pais, alunos, colegas, dirigentes associativos, dirigentes partidários, desportistas, cinéfilos, etc., e somente se de facto conseguirmos ser tudo isso, se somente conseguirmos desempenhar todos esses papéis que caracterizam as diversas facetas da vida de cada um e de todos nós nesta sociedade complexa e em constante mutação, somente assim seremos realmente felizes, e somente assim estaremos também em condições de desempenhar aquele que é o mais alto desígnio da vida em sociedade, o de contruibuir politicamente para o aperfeiçoamento deste mundo onde vivemos.
Para além do mais, se as empresas fossem inabalavelmente obrigadas a pagar as horas extraordinárias que coagem os seus trabalhadores a cumprir, se o Estado fosse de facto um bom regulador do mercado de trabalho, penso que muito rapidamente o tecido empresarial se aperceberia de que seria mais rentável contratar novos trabalhadores para fazerem o trabalho em falta, trabalho esse que seria feito de uma forma mais produtiva por trabalhadores acabados de entrar ao serviço, e que, por isso mesmo, se encontrariam ainda frescos e motivados.
Era então, simultaneamente, uma forma de baixar as taxas de desemprego, e de ao mesmo tempo contribuir para um fomento do crescimento económico por via do efeito do multiplicador do consumo total da sociedade (isto porque uma menor taxa de desemprego - controlando-se a inflação - implicaria que passaria a existir mais pessoas com dinheiro para gastar).
Foi aliás, em parte, esta a solução encontrada por Ford no inicio do século XX para aumentar os lucros da sua própria empresa: ao aumentar significativamente os seus funcionários, facilmente percebeu que os seus lucros em muito compensaram essa despesa em aumento. Isto porque os seus trabalhadores ao ganharem mais, passaram também a comprar mais carros... Parece lógico e imediato não é? Infelizmente nos dias de hoje parecem-nos querer convencer de que todas as conquistas sociais alcançadas ao longo do século XX não passaram de uma ilusão... De que todas as exigências nos podem ser feitas sem a contrapartida de uma substancial remuneração.
Comentem...

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A primeira semana do novo PSD

Escrevo este post, e ainda antes de falar sobre a famosa lei da rolha, a propósito de um artigo de opinião com o mesmo título que foi publicado na edição de hoje (19-04-2010) do Diário da República. Escrevo-o, não tanto por causa do artigo em si, mas fundamentalmente por força de um comentário deixado por um leitor interessado, e cujo teor e moldes de pensamento não pude deixar criticar. Ainda numa alusão ao post passado, o maior perigo à liberdade de expressão, muito para além das leis e da coacção jurídica e policial, é esta que este leitor evidencia nos seus escritos, é a coacção baseada na errada convicção de que a maioria tem sempre razão...
Assim, sem mais delongas e sob a forma de um comentário a um comentário, deixo-vos já uma pequena antevisão daquela que é a minha matriz política, e em grande medida a minha profunda convicção daquele que será o futuro do PSD.
Assim, transcrevo de seguida o comentário deixado por ajpestana, e também a minha resposta ao mesmo.
ajpestana:
"A única forma de o PSD recuperar a sua imagem de partido moderado, responsável e de poder, é através da cooperação com o partido do governo e com o governo. Não há outra forma. Depois de mais de dez anos de radicalismo, extremismo retórico e de incompetência extrema quando foi chamado ao poder, o PSD tem trabalho pela frente, bem como muita gente insatisfeita pela mudança que o partido está sofrer. Não me surpreenderia se a ala extremisma do partido que perdeu a mais importante batalha há dias, não fique calada e quietinha... Aquele tipo de gente não tem honra e muito menos civismo. É ter cuidado com eles e com elas, que de um momento para outro, estragam tudo e mais alguma coisa."
Fernando Santos:
Se há coisa que há-de ficar para a história, é que as últimas eleições para a liderança do PSD resultaram num ponto de viragem ideológico (quem sabe apenas temporário) daquele que é o maior partido da oposição. Com a vitória de Pedro Passos Coelho, o PSD encostou-se decisivamente à direita, a uma direita neo-conservadora de contornos ainda por descortinar, pois que o seu próprio discurso se pauta por ser demasiado vago e por vezes até ambíguo. Por isso não podia estar mais enganado o nosso amigo ajpestana, dado que a época do extremismo no PSD começou agora, com o ataque ao Estado Social e apologia algo mística do sector privado protagonizada pela máxima "é preciso tirar o Estado da economia sem contudo se aperceberem que foi precisamente esse tipo de discurso e de práticas que conduziram o mundo para a grave crise em que nos encontramos. A época do extremismo no PSD começa então agora, pois é a época que marca a ascensão ao poder de PPC com o apoio de uma geração de políticos francamemente débil em termos intelectuais e profissionais (veja-se a composição dos órgãos nacionais e perceba-se com terror quem lá está) sem a mínima noção daquilo que é a matriz social-democrata e daquelas que foram as suas conquistas ao longo do século XX, nomeadamente a da implementação de um Estado Social assente na participação activa do Estado na Sociedade na Economia, nomeadamente no combate às falhas protagonizadas pelo mercado.
Deste modo, a entrar o PSD numa fase de extremismo, esta teria inicio precisamente agora, numa altura em que o partido se está a transfigurar numa outra coisa qualquer, numa coisa que ninguém ainda consegue identificar, mas que não é social-democrata com toda a certeza. Daí não só é compreensível que haja quem não fique quietinho, nem caladinho, como é de louvar quem o faça. Pois quem o fizer vai estar a agir no melhor interesse do partido e, em última análise, no melhor interesse do país. Num espaço informativo, mesmo que de opinião, há que procurar ser objectivo naquilo que se transmite, e não somente lançar suspeições infundadas e acusações.
É quem o faz que estraga tudo e mais alguma coisa, é quem o faz que fomenta a triste situação de Portugal, um país em que sempre se deu mais importância ao pacote do que ao seu conteúdo. Num país assim, PPC, ganhará as eleições... Num país a assim a crise vai sobrar, indubitavelmente, e cada vez mais para aqueles que menos recursos têm, para aqueles que mais carecem da intervenção do Estado na Economia para assim assegurem o respeito pelos seus direitos mais fundamentais. Num país assim, para quê falar da honra dos outros quando nem sequer a temos para nós próprios.
Post Scriptum: Desengane-se quem pensar que PCC ganhou pelas suas ideias... Pois ganhou sim, mas por via do interesse pessoal daqueles que o apoiaram.
Assim temo pelo meu PSD...